Pisei no aeroporto de Guarulhos1 e fui recebido assim:
Meus irmãos seguravam três cartazes, vistos na foto acima. Um deles dizia “bem vindo de volta ao hospício”2, e outra tinha a frase “Wilkommen Züruck Angelo”, um “bem vindo de volta” em alemão.
O terceiro cartaz, porém, é o que chamou mais minha atenção:
Nele, em letras gordinhas desenhadas a mão, lia-se “Bem vindo Angelo, não faz mais que a obrigação estar com a família” — belissimamente decorado com as cores da alemanha em meu nome e as do Brasil em família.
(Outra pessoa me recebeu no aeroporto: meu professor de Alemão Matheus Coelho)
Explicar para meus colegas estrangeiros o termo não faz mais que a obrigação é difícil, já que não há um termo análogo no inglês. O site Speak Like a Brazilian não tem o verbete3 e não encontrei nada no Linguee.
Quem vê de fora pode até achar a frase agressiva, até ofensiva, já que ela traz memórias não muito legais da infância — eu esperava que o 10 da prova fosse comemorado enquanto ele era recebido com o termo, em um anticlímax frustrante.
Entre nós, irmãos, é uma piada. É algo que eu venho falando há meses: quero estar de novo com minha família. Pela primeira vez em (talvez) uma década, sinto que é sim minha obrigação acompanhar meus irmãos de perto.
E, finalmente, cá estou. Trago nessa edição um pouco dos meus primeiros três dias em terra brasilis.
Para facilitar o processo — tanto aqui quanto em meu dia a dia — chamo Lucas de “meu irmão” e Theo e Arthur de “os meninos”. Assim, fica mais fácil explicar de quem estou falando, mesmo sabendo que todo mundo é irmão de todo mundo.
Estou bem cansado. O jet-lag está me matando — acordei entre 4h30 e 5h nos últimos dois dias, e hoje tive a sorte de acordar às 6h.
Lucas e os meninos moram em um apartamento de três quartos. Em minha chegada, um dos quartos — o menor — foi oferecido para mim.
Mudei do apartamento de 60m² para um quarto de 6m² (claro, há o espaço compartilhado, mas estou contando onde tenho teoricamente total privacidade).
A primeira ação em meu novo reino foi dar uma geral nessa zona da porra. Coloquei os meninos em prontidão e limpei todas as gavetas. Fiz com que eles jogassem fora tudo o que fosse velho, quebrado, ou inútil.
Eles reclamaram — óbvio, adolescentes — mas expliquei a razão. O lixo acumulado faz com que a gente perca noção do que temos e faz com que encontrar qualquer coisa seja muito mais difícil. Em nossa limpeza, eles encontraram fotos antigas, cabos perdidos, um caderno limpinho e uma carteira — um deles disse que vai usá-la. Dou um mês para vê-la largada por aí, e aí já sabe, ou doação, ou lixo.
Falando em doação: abri um dos armários do quarto e vi duas sacolas cheias de roupas velhas. Questionei os meninos e descobri que Lucas separou essas roupas para serem doadas há meses e meses e nunca consumou o ato.
No mesmo momento tirei as roupas do armário, fiz os meninos checarem se elas eram usáveis (ou se eram pano de chão) e obriguei Lucas a doá-las no mesmo dia.
É um pouco de getting things done da vida real: se você não fizer as tarefas, elas nunca serão feitas. Se não tem deadline ou urgência, são irrelevantes e serão esquecidas.
Sempre fui muito bom com tecnologia, mesmo não sendo um gênio como
, e isso significa que você é o rapaz da TI para qualquer um com um pouco menos de conhecimento tecnológico que você.Mal cheguei e já formatei um PC, instalei um videogame, descobri o problema com a rede wifi e comprei um roteador boladão para resolvê-lo — que santo Jonas me ajude.
Investi em outras coisas para o bem estar dessa família: comprei cabides — por algum motivo havia zero deles disponíveis — e também um ventilador, após reviver dois que estavam jogados e esquecido num canto guardados em um armário.
A eficiência alemã é uma mentira (isso vai virar título de newsletter futura).
Abri o aplicativo do Poupatempo, marquei um horário (daqui a 20 minutos), não precisei levar nenhum documento exceto minha CNH original, fiz fotos, coletei digitais, fiz um exame médico e paguei o processo — tudo no próprio Poupatempo. Em 3 dias úteis minha CNH será renovada.
Na Alemanha, precisei ir ao banco pessoalmente, preenchi um formulário na frente do atendente, saí do banco e fui obrigado a enviar o formulário pelo correio para o mesmo banco… só para fechar minha conta já vazia. Quinze dias úteis para fechá-la por completo.
Minha primeira refeição no Brasil foi uma pizza de frango desfiado com cream cheese, com borda de catupiry. Em outras refeições, comi arroz, feijão, e salada, com as misturas carne moída e bife a parmigiana. Como é bom comer comida de verdade no almoço e não aqueles lanchinhos sem vergonha que eles faziam lá.
Estou preparando uma campanha de RPG para jogar com meus irmãos. Escolhi o sistema O Som das Seis, escrito pelo genial (e meu amigo pessoal) Ramon Mineiro. Lucas tem 300 horas em Red Dead Redeption 2, portanto o tema faroeste pode agradá-lo. Theo curte o bang bang mas Arthur não gosta tanto… vou dar um jeito de fazer a campanha ser divertida para ele também.
Mudar o país da conta do Xbox é uma brisa — três ou quatro cliques são o bastante. Mudar o país da conta do Playstation é impossível. Precisei criar uma conta nova para o Brasil, perdendo assim todas as minhas conquistas na conta original.
A cerveja brasileira é uma bosta — sério — mas estar em uma mesa de bar discutindo o contrato vitalício do Ronaldo com a Nike (sem nenhum motivo específico) com meu irmão e seu amigo Samuel… não tem preço. O sabor da bebida até é esquecido quando Samuel diz “é verdade, pesquisa aí” e meu irmão responde “vou pesquisar porra nenhuma”, dando um tapa na mesa.
Por enquanto é só. Essa newsletter continua em construção — tenho muita coisa pra resolver antes de conseguir parar um pouco para descobrir o que vai acontecer com ela — mas por enquanto tentarei enviar esses pequenos updates.
Obrigado pela atenção e beijos <3
Se você chegou agora, resumo: morei em Munique, na Alemanha, pelos últimos 18 meses. Resolvi voltar ao Brasil depois de muita luta interna — e bastante terapia. Cheguei no dia 26 de Setembro para morar com meus irmãos.
Há quase vinte anos, Susi, mãe de Angelo e Lucas, comprou uma placa de madeira com a frase “Hospício Lotado” entalhada. Susi já se foi, mas a placa continua nos acompanhando por todas as casas que já moramos. Curioso que ela é mais velha que Theo e Arthur, mas ambos embarcaram nessa brincadeira e levam o hospício a sério.
Ele é Open Source, portanto, colabore colocando verbetes nele! É fácil e rápido 👌
Bem-vindo de volta ao Brasil :)
a próxima vez que eu for a São Paulo nós vamos ter que separar 1 noite inteira para botar o papo em dia hein no mais, bom te ver animado e feliz! 🙂