Antes de tudo, pergunto honestamente: você sabe quem eu sou? Se lembra de ter entrado em minha página, visto meu conteúdo, gostado do que escrevo e, então, lembra de inscrever-se nessa newsletter?
Se não, essa edição é pra você — se sim também, claro, fique até o fim que vale a pena.
(Por conta das imagens, esse email talvez esteja cortado na sua caixa de entrada. Clique ali em cima pra vê-lo no site, confia no pai).
Números positivos
A cada semana eu ganho assinantes do nada. Não to fazendo nada mais do que o normal, escrevendo minhas coisinhas sem muita pretensão de crescer e virar um Mestre Newsletteiro, só lançando o arroz-com-feijão. Mesmo assim, em semanas que não publiquei nada, recebo notificações que pessoas me seguiram.
Comecei a investigar de onde essas pessoas vem e descobri o resultado: o Substack, plataforma que uso para publicar minhas edições, tem um deceptive pattern SAFADO que pega muito trouxa por aí.
Não, não to te chamando de trouxa — sem bem que todo mundo já foi um dia, como corno e broxa —, mas to dizendo que o Substack provavelmente te fez de trouxa. Se você respondeu “não” no início desse texto, você provavelmente caiu na pegadinha deles.
Explico:
Deceptive Patterns
Não sou fã do termo dark pattern, então uso deceptive pattern — que tem o mesmo significado. Gosto bastante do conceito — principalmente de saber que ele existe e de evitá-lo em minha vida profissional.
O deceptive pattern é uma ferramenta de design que engana o usuário, fazendo as coisas parecerem o que elas não são, e guiando os cliques por lugares que talvez o usuário nunca quis clicar. Fora do âmbito digital, ele é usado pra guiar as para o melhor caminho pra empresa, e não pro usuário.
Um exemplo bem claro é a impressora da HP que quer forçar os usuários a imprimirem via Wi-Fi — para que eles baixem o app deles e façam um cadastro maroto, disponibilizando assim todos os dados para a empresa. Mas observe que:
É totalmente possível imprimir via Wi-Fi sem ter o app, e a empresa tenta convencer o usuário do contrário — um claro deceptive pattern.
A porra da impressora tem a porra de uma entrada USB que eles cobriram com um adesivinho safado.
Eu vejo uma coisa dessas e fico 🤔🤔🤔🤔🤔🤔 sabe?
Para conhecer mais deceptive patterns, clique aqui (mas leia só depois que acabar essa newsletter, hein).
E eu com isso?
O Substack tem um deceptive pattern BEM sem vergonha. Toda vez que você vai se inscrever pra uma nova newsletter, ele te força sem-querer-querendo a assinar outras.
Vou mostrar com um passo-a-passo como isso funciona através da newsletter do meu amigo
— que você deveria assinar; isso não é um publi.Se você for lá na página da newsletter dele, pode assiná-la botando seu emailzinho na caixinha, normal:
A partir desse momento, você já tá inscrito na newsletter do Mur. Não tem mais nada que você precisa fazer. O Substack diz isso? Óbvio que não. Ele te leva pra uma série de páginas, detalhadas a seguir.
É interessante dar um dinheiro pro Mur? Claro que é, ele tem dois filhos pra criar. Porém, vejam como tudo leva o usuário a fazer algo que talvez ele não queira.
O valor anual já é pré-selecionado.
Se você apoia outra newsletter na plataforma, o número do seu cartão é pré-preenchido.
A frase “o Substack do William é grátis para ler” é bem menorzinha e em menos destaque que todo o resto.
O usuário pode muito bem clicar em “Pledge a subscription” sem perceber direito o que tá fazendo.
Ao clicar em “No pledge”, continuamos o árduo processo.
É aqui que eu queria chegar.
Essa tela sem vergonha coloca três newsletter que você talvez nunca ouviu falar na sua frente, seleciona as três com o ☑️ ali e dá o botão grandão “assine essas três publicações”. O usuário as vezes nem percebe o “maybe later” — que é um uso bem inteligente das palavras, já que não é um “continue” ou um “não assinar nada”.
Quem clica sem ler muito — bem, ninguém lê na internet, a gente já sabe — já assina outras três news sem nem perceber.
E é assim que a maioria das pessoas chegam aqui. O próprio Substack me dá esses números:
Eu sou infinitamente grato às newsletters que me recomendam, de verdade, mas fico com um gosto amargo na boca ao pensar que cê nem deveria estar aqui, querida. A ideia de que um deceptive pattern possivelmente te trouxa à minha porta me deixa confuso e pensativo. De novo: 🤔🤔🤔🤔🤔.
Porém, a viagem sem-vergonha do Substack não acaba aqui.
Essas newsletter da imagem que vimos são recomendadas por Mur, então podemos confiar, né? Porra, pior que não.
A próxima página da jornada é a seguinte:
De novo, guiando o clique pro que importa pra empresa, e não pro usuário. A pessoa acabou de se inscrever na newsletter do rapaz e o Substack já aparece, feito um flanelinha perto de casas de show, e tenta te acuar a fazer tudo o que ele quer.
Se você (na pressa) clicar em “Recommend”, você (adivinha) recomenda a publicação pra seus leitores. Se você tiver uma newsletter, ela vai aparecer na lista quando alguém te assinar — sim, aquela lista ali que eu mostrei.
Ou seja, eu não sei se Mur realmente recomenda aquelas newsletters ou se ele caiu na rede do deceptive pattern. Também não sei se as publicações que me recomendam realmente gostam ou se só clicaram no botão sem pensar.
Mas isso não é bom para você?
Pois é, cara pessoa que me lê, eu nem deveria estar reclamando. Esse processo me traz leitores que, talvez, nunca entrariam em contato com meu conteúdo. É como comprar um disco de um artista que você gosta muito e ter nele uma participação de um músico que você nunca tinha ouvido falar, mas que agora com certeza vai atrás…
SÓ QUE NÃO, pois os artistas combinaram de fazer essa parceria — não foi a gravadora que meteu três faixas do Luan Santana no disco de rock sem ninguém saber, só porque o artista original falou que curtia um sertanejo nos dias de tristeza1. Ele não tem culpa de chorar largado!!!
Esses deceptive patterns fazem bem pra minha publicação, mas eu me sinto sujo. Me sinto como se participasse de um esquema de pirâmide, como um apostador em jogo roubado, como vendedor de cigarro pra criança. Quero sentir que cada pessoa que abriu esse email e chegou até aqui está se divertindo, aprendendo, e gostando do que lê.
Quero que essas pessoas cliquem voluntariamente no botãozinho abaixo para me fazer escrever ainda mais:
Debandada proposital
Porém, se você caiu na tramóia do Substack e não gostou — e agora, com essa informação, não quer ler mais nada do que eu escrevo, tá tudo bem. É só se desinscrever. Fácil né?
NÃO, PORRA, NADA É FÁCIL!!!!
Escrevi um texto há um tempão com o passo-a-passo para se desinscrever de uma newsletter no Substack — sim, é um processo. Clique abaixo e se divirta — em inglês, mas o Google Translate ajuda.
Conclusão
Essa edição foi um misto de “fica fora só quem quer” com “a verdade vos libertará”. Espero que você tenha aprendido sobre design, experiência de usuário e como eu batalho diariamente com minha impecável moral e ética (até parece). Desejo que você tenha uma belíssima quinzena até a próxima edição — sobre música.
Beijos!
Aliás, se alguém quiser fazer uma parceria e escrever algo juntos, estamos aí, por favor, me chamem
Cheguei aqui querendo e adorei o texto! Penso como você!
Felizmente como uma boa ui designer estou ligada nessas sem vergonhices e sempre me atento. Angelo, conheci teu trabalho na newsletter da Taize Odelli (porque isso aqui é um esquema de pirâmide) e estou viciada, leria até a tua lista do supermercado.