A Rapidinha de hoje traz três temas — quase dois trailers e um longa-metragem. Em parênteses, o tempo de leitura de cada um:
Terminei Ghost of Tsushima (30 segundos);
Recomecei Wayfarers, da Becky Chambers (15 segundos);
Terminei com minha psicóloga (5 minutos);
Pensei em fazer um À Revelia só com o último deles mas… preferi não.
Espero que você goste.
De volta ao meu aconchego
Estou relendo Becky Chambers — minha autora favorita. Fiquei doente e destruí o "Uma Longa Viagem a um Pequeno Planeta Hostil" em dois dias; agora estou no segundo livro e me lembrando quão bom ele é.
Se você nunca leu Becky Chambers, eu insisto para que você dê uma chance para essa mulher maravilhosa.
O fantasminha camarada
em minha mente
batalhas incessantes
sempre fracasso
Terminei Ghost of Tsushima e chorei duas vezes — não to falando de emoçãozinha não, to falando de ranho, maquiagem escorrendo, soluço. Por mais que tenha minhas questões com o jogo, 🧐 ludicamente falando 🧐, ele é 10/10 na questão artística — podem enviar Ghost of Tsushima pra todo mundo que perguntar se jogo é arte. Que experiência incrível estar na pele de Jin Sakai e de moer na porrada esses invasores desgraçados. Além disso, por causa dele to escrevendo altos haikus, quase todos os dias.
o sol retorna
traz consigo o verão
permaneço só
Terminei com minha psicóloga
Após 5 anos e 3 meses de consultas semanais — as vezes duas vezes por semana — decidi que meus encontros com Renata não me beneficiavam mais e resolvi dar um tempo. Nenhum término é agradável, independente da relação, então estou passando por certo luto do que foi uma experiência muito, mas muito frutífera.
Primeiro vamos tirar o elefante da sala. Terminei com minha psicóloga pois acredito que o que venho vivendo hoje não é compatível com as discussões que estávamos tendo. Ela mesmo disse que, talvez, sua abordagem não seja compatível com meu estado atual — ao invés de eu me proteger da péssima experiência que estou tendo fora do Brasil, eu insisto em tentar.
Portanto, entendo que nossas últimas sessões foram combativas; eu insistia em dar murro em ponta de faca, ela insistia em me mostrar como isso só estava me destruindo mais ainda.
Porém eu preciso de tempo.
A analogia que eu usei é a seguinte: há uma corrida e estou competindo nela. Consigo ver a linha de chegada, porém minhas pernas dóem de tanto correr. Para minha saúde, o mais recomendável seria parar para descansar — esquecer a corrida, os sinais são claros que não estou aguentando. Porém, há uma linha de chegada e eu consigo alcançá-la com um pouco mais de esforço — e depois eu cuido do machucado que ficou.
Eu tenho uma data: setembro de 2023. Esse é o mês que vou reavaliar minha vida na Alemanha e pensar se realmente vale a pena continuar tentando viver aqui, com esse idioma desgraçado e essas pessoas distantes. Até lá, preciso de pessoas ao meu redor me oference água na beira do trajeto, gritando "você consegue" e até dando um empurrãozinho de vez em quando. Minhas sessões de terapia estavam virando uma reunião semanal de "olha como suas feridas estão cada vez maiores e mais doloridas", ao invés do incentivo que preciso.
Pode parecer que ela é uma profissional ruim, porém eu corto um braço fora antes de dizer uma idiotice dessas. Durante esses cinco anos conseguimos resolver tanta, mas tanta coisa, que seria injusto só pontuar esse texto com o que *não* conseguimos resolver — e, de novo, por insistência minha.
Quando comecei a me consultar com Renata, em 2018, ainda trabalhava na Folha de S.Paulo e tinha crises profissionais diárias. Nesses cinco anos, tratamos minha autoestima profissional e digo — de barriga cheia e orgulhoso — que meu salário hoje é equivalente a nove vezes o que eu ganhava na Folha — claro, há o câmbio (hoje ganho em Euro), mas antes de sair do Brasil já estava ganhando mais que o dobro do que ganhava Folha.
Em cinco anos, deixei de ser um profissional frustrado e sem noção de carreira para uma pessoa que foi convidada para mudar de país por uma empresa Alemã — com todos os custos de imigração pagos. Hoje, por mais insegurança que tenho em algumas questões técnicas, consigo peitar os desafios e resolver qualquer problema de queixo erguido. Ainda vou aprender a dizer "confia no pai" em Alemão, já que esse é o termo que descreve meu sentimento quando eu preciso apagar um incêndio.
Outro tópico que me marcou muito em nossas sessões foi a discussão sobre réguas e medidas. Me comparo muito com os outros (um assunto pendente, vide próximo tópico) e sempre tentava medir minhas experiências no que hoje sei que são réguas irreais — comparava meus números com cifras mentirosas, tiradas de comparações injustas e do famoso índice MR. Foi nessa experiência que percebi como meu uso de redes sociais era nocivo, como minha experiência de vida era única e como ser um generalista não era um problema, e sim uma característica que deveria ser razão de orgulho.
Hoje, em meu site, exibo "I’m a proud generalist" em destaque.
Não só mudei o jeito que meço minha performance na minha vida, como descobri como identificar novas réguas que surgem e como elas podem ser armadilhas. "Ah, estou fazendo 2h de aulas de Alemão por dia há 1 ano mas ainda não sei falar o idioma" é o que penso, mas já sei que há aí uma medida injusta: não há um número concreto de quanto tempo leva para uma pessoa aprender esse idioma enquanto:
Acabou de mudar de país;
Cuida de todos os seus gastos com seu próprio dinheiro;
Trabalha bastante;
Não tem contato diário com pessoas que falam Alemão;
Precisa resolver documentação de imigração;
Precisa mobiliar seu apartamento;
Teve um problema elétrico e teve que tomar banhos gelados por 2 meses;
Trocou a dose do antidepressivo;
Und so weiter.
Renata também me ajudou muito com o eterno processo de luto que vivo — sem mãe e sem pai — e minha ressigficação do que é família e da importância dela para mim. Em 2018, costumava dizer que "não tinha família" e que era uma pessoa sozinha no mundo. Hoje, não só carrego uma foto dos meus irmãos em meu chaveiro, como sei que eles são o maior incentivo para que eu continue vivo.
Trigger warning para o próximo parágrafo: suicídio.
Eu to falando sério. Se não fosse a existência de meus irmãos e esse trabalho maravilhoso de reforçar minhas relações familiares, eu já teria acabado com minha própria vida. Lucas precisa de mim, eu sou o porto seguro dele e ele é o meu. Theo e Arthur precisam de mim, eu sou uma referência, um farol. Por mais que em alguns dias eu ache que ninguém vai sentir minha falta, meu alarme de régua errada apita e eu lembro: eles vão sentir minha falta, eles são importantes, eles são minha família.
Acabou o trigger warning
Claro que há o que não foi resolvido ou concluído. Ainda tenho um problemaço de autoestima, porém hoje sei que esse processo de autoódio existe e me machuca pois o investigamos de perto. Ainda tenho um grande bloqueio artístico, mas venho produzido coisas que nunca consegui — como essa newsletter — após reflexões sobre arte e produção que desenvolvi em terapia.
Terminei com minha psicóloga pois insisto em uma experiência que não parece que vai dar certo, e ela tem razão em me mostrar como esse caminho tem sido árduo e doloroso. Porém, no momento, preciso de pessoas que me façam esquecer da dor — e não lembrar dela.
em tempos frágeis
é chuva que me molha?
ou são lágrimas?
Comente abaixo sobre o que você achou dos assuntos e vamos continuar essa conversa 🥳
Achei interessante sua analogia da corrida porque hoje vivo justo o processo inverso, escolhendo as linhas de chegada das quais posso abrir mão e me preservar pra conseguir correr outro dia. De qualquer maneira, que tenha bons passos, que as feridas sejam superficiais e que em setembro tome a decisão que te faça mais feliz. E independente de atravessar a linha de chegada, sempre há pessoas pra ajudar a cuidar das feridas. Força! Bora dar esse sprint final!
Angelo, nem sei como expressar minha admiração por sua coragem de se expor tão abertamente. E com tanta fluência e domínio das palavras. Seu ciclo com a terapeuta chega ao fim no momento em que o meu está prestes a começar. Algo que foi adiado por minha eterna teimosia em achar que posso resolver tudo sozinho.
Me vejo muito nos seus posts e nas suas dores. Perdi meus pais um atrás do outro em um período de dois anos. Minha mãe em 2018 e meu pai em 2020, ambos por câncer. Tb me senti só e sem norte, apesar de acompanhado e cercado de pessoas amadas. Tenho bastante dificuldade de falar sobre a morte dos dois. Torna tudo tão real e expõe várias feridas. A vida de imigrante com certeza não ajuda. E é sim uma merda. Cada vez mais eu entendo autores que criam seus próprios mundos pois não pertencem nem se encaixam na sociedade que os cerca. A frieza dos povos do norte é difícil até para um introvertido como eu. É bem difícil fazer conexões reais.
Velho, a gente precisa marcar uma conversa. Trocar umas figurinhas sobre a vida.
Abraço