O Peru, esse país da América Latina sobre o qual não aprendemos muito na escola, foi alvo de um golpe militar em 1968. O general Juan Velasco Alvarado chegou para fazer Peru Great Again e acabar com a influência imperialista no país, especialmente dos Estados Unidos. Uma de suas ações foi proibir o rock e a música estrangeira, fazendo com que os peruanos dessem um jeito de explorar suas próprias criações musicais.
Eu prometo que não vou fazer nenhuma piada com ‘Peru’ nesse texto, nem exaltar a ditadura pois “olha, sem ela não haveria esse estilo de música”. Foda-se a ditadura, a música foi uma resposta a uma situação deplorável e a correlação, por mais lógica que seja, sempre vai pender para a preferência de não ter havido ditadura. Mil vezes ‘nunca mais’.
Uma das coisas que Velasco fez foi impedir a importação de qualquer instrumento estrangeiro, e a música peruana da época era muito apoiada na guitarra. Para continuarem tocando sem problemas com o governo, os músicos mesclaram o som da guitarra do rock com a cumbia colombiana, em instrumentos feitos artesanalmente e com timbres diferentes do vivenciado nos anos 70 — os músicos peruanos tinham equipamento e efeitos que mais se pareciam com o surf rock dos anos 60 do que com o que surgia na América do Norte.
Em 1968, Los Destellos lançavam sua Guajira Psicodelica, iniciando um movimento musical sem saber.
Tentando trazer o som ainda mais perto da música tradicional peruana, instrumentos foram sendo adicionados às guitarras agudas e músicas instrumentais dançantes eram produzidas.
Los Destellos não tinham muito limite. Com maracas e reco-recos, faziam composições clássicas se tornarem canções dançantes, como Para Elisa, versão psicodélica de Beethoven.
Conseguindo importar instrumentos musicais do Japão e através de muito contrabando, músicos continuavam se juntando para fazer mais canções que mesclavam estilos e origens. A cumbia colombiana foi mesclada com percussões da América Central e — com certeza — poderosos psicotrópicos, formando o que podemos ouvir no disco Cumbia Amazonica, de Los Mirlos.
Um sonzinho desse pede um cházinho da tarde.
Em 2007, foi compilado um disco com o melhor da Cumbia Psicodélica, o The Roots of Chicha. É daqueles que vale a pena dar play na primeira música e só curtir o álbum inteiro. Depois disso, vale ouvir o Roots of Chicha 2.
Lloro por quererte, por amarte, por desearte
¡Ay, cariño! ¡Ay, mi vida!
Nunca, pero nunca,
Me abandones,
Cariñito
O foda da apropriação cultural — lá vem meu cancelamento — é que as vezes a galera faz o negócio bem feito. Olivier Conan, um francês dono de um bar no Brooklyn (EUA), fez uma viagem pela América Latina em 2005 e se apaixonou pelos ritmos da região amazônica. Comprou quase 100 discos e os levou para casa. Em 2008, lançou com amigos o (infelizmente) DISCAÇO Sonido Amazonico!, de sua banda Chicha Libre.
Ainda dá pra ouvir bastante Chicha Peruana — ou Cumbia Amazônica/Psicodélica — sem precisar se render aos francoamericanos. Um ótimo jeito de viajar pelo estilo (e minha contribuição de conclusão deste artigo) é ouvir o trabalho foda do My Analog Journal.
Espero que curtam esse estilo que me pegou desprevenido quando o ouvi pela primeira vez — e que é minha companhia em explorações psicotrópicas.