Assistindo filmes com meus irmãos de 13 anos
Devagarzinho eles vão aprendendo a ser o pior tipo de humano possível: o cinéfilo.
Nesta edição do Cronofobia:
Crises criativas
O tema principal
Ódio
Starter Villain
Vem aí
Falar sobre jogos
Viver o corpo
Tempo de leitura: ± 11 minutos
Estou tendo crises criativas novamente
(Era pra isso estar lá nas rapidinhas, mas movi pra cima)
Toda edição que escrevo penso que ninguém lê essa merda, mesmo com os números do Substack mostrando uma galera. É que como ninguém comenta eu fico no vácuo pensando que de fato ninguém lê.
Se eu puder te pedir UM favorzinho, é: se você gostou, comenta lá. Se não gostou (por favor mesmo!) comenta lá. Assim que eu vou saber se devo continuar essa empreitada ou escrever num diário, sei lá.
O tema principal
Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele. Provérbios 22:6
Contexto
Se você me acompanha nas redes sociais, já ouviu essa história. Se não me acompanha, deveria.
Eu e meu irmão Lucas (1 ano mais novo que eu) somos tutores de Theo e Arthur (13 anos, gêmeos). Eu e Lucas perdemos nossa mãe em 2007. Theo e Arthur perderam nosso pai e a mãe deles em 2017.
Desde então, Lucas tem a guarda e eu, após voltar da Alemanha, me juntei para dividir a tutela com ele. É isso.
Filminho e pipoquinha
Logo que cheguei, Theo me chamou para ver um filme. “Qual”, perguntei. “Qualquer filme”, disse ele, sem saber o tamanho da enrascada que estava se metendo.
A questão, caras pessoas leitoras, é que eu descobri ser um tipo detestável de humano: o cinéfilo.
Descobri isso ao perceber que gosto de Michel Gondry — e se você sabe o nome de um diretor que você gosta e além de tudo ele é francês, você vira cinéfilo automaticamente.
Em tempo: meu filme favorito dele é L’Écume des Jours, entitulado Mood Indigo em inglês e A Espuma dos Dias em português. O filme é bem surrealista (e tem Amelie Poulain e o cara do Intocáveis — Audrey Tautou e Omar Sy), e conta a história de uma mulher doente pois uma flor de lótus cresce em seu pulmão, e seu amante, um desempregado, tem que ir atrás do tratamento dela e acaba quebrado. No SUS isso nunca aconteceria.
Vale bastante ver o filme, só a loucura de ácido que ele é já impressiona.
Descobri, também, que Gondry dirigiu um clipe da banda Metronomy, que eu já gostei mais no passado mas que ainda é boa.
Porém, ao analisar minha lista no Letterboxd não leva muito tempo para perceber que eu sou um cinéfilo de meia tigela, um impostor, que adora filmes que Hollywood chama de “estrangeiros” e eu só chamo de “filmes” mas que não perde uma pipoquinha ou um marvelzinho — se bem que eu não vejo um filme da MCU há um tempão, tão todos um pior que o outro.
A dificuldade é que não adianta jogar Gondry na mão de dois pré-adolescentes e achar que eles vão se divertir. Não, eu preciso entender o gosto deles, o que cada um dos dois — que tem personalidades BASTANTE diferentes — preferem, e o que eles vão gostar de assistir.
Confesso que, sim, ainda mando eles verem filmes comigo — afinal, uma das partes boas de ser irmão com poderes paternos é exatamente usar os tais poderes paternos. É um prazer grandão vê-los curtindo um filme que eles foram assistir sem ter muita vontade — e bem frustrante quando dizem que alguma coisa que eu amo “é muito chato” (frase de Arthur depois de assistir Fargo).
Uma coisa importante é que eu quero que eles entendam o que é uma linguagem de diretor, e também que eles criem afinidade com atores e atrizes que eles curtem. Por exemplo, Theo gosta muito de The Nightmare Before Christmas, mas não faz ideia de quem é Tim Burton. Se ele soubesse que o diretor tem essa força, ele já teria procurado outros filmes dele.
A seção seguinte é basicamente composta de eu falando sobre todos os filmes que vi com meus irmãos — 30 títulos. Pensei em condensar em tópicos ou mudar o formato, mas não tem muito o que fazer. É uma listona com comentários espalhados. Espero que o formato não te entedie demais e, se acontecer, pule pra próxima seção lá no final. Obrigado.
A jornada.
Para começar com a energia lá em cima — e com um filme de ação, mais fácil de digerir — mandei logo um Mad Max: Fury Road. Theo adorou, Arthur gostou mas achou difícil de entender a história. Confesso que é mesmo, o filme não fala nada e só mostra as coisas acontecendo — bom para o adulto escritor “show, don’t tell” que sou, péssimo pros meninos.
Para aliviar, vimos A Nova Onda do Imperador, na versão dublada (como esse filme deve ser visto). Cinco estrelas, se não seis. Todo mundo amou e quer ver mais — infelizmente revelei a verdade: nunca mais houve nada igual.
Depois da conversa sobre diretores e linguagem visual, Theo pediu para ver Edward Mãos de Tesoura. Ele amou, eu achei médio, Arthur achou meh. Arthur disse “quero ver um filme de ação, de tiro”.
Brasileirice
Assistimos Tropa de Elite. E, por mais que seja um filme policial, é muito menos copaganda do que parece — especialmente depois de engatarmos Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (conhecido como: o melhor subtítulo da história). Ao final dos dois filmes, ao perguntar para eles quais as lições aprendidas, eles disseram: “a polícia não é confiável e nenhum político presta”. Lavo minhas mãos.
Fiquei inspirado em ver mais filmes brasileiros. Larguei logo um Bacurau — meu diretor brasileiro favorito é Kleber Mendonça Filho, vale dizer. Ambos gostaram — Melhores personagens? Theo: “o cara do facão, o herói”; Arthur: “os véios peladões de escopeta”.
Pausamos a sessão Canal Brasil para ver A Haunting in Venice. Todo mundo achou médio e Theo infelizmente disse que não gosta de filme de terror. Anotei essa informação.
Partimos para o que eu considero uma obra prima do cinema brasileiro: O Auto da Compadecida. Como era uma minissérie e foi condensada, o filme é enorme e tem um ritmo muito estranho. Gostei menos do que lembrava, e foi realmente cansativo pra todo mundo. Não acho que ele vai ficar na memória dos meninos como ficou na minha.
Inglesice
Arthur queria mais ação, e eu falei: beleza. Vou mostrar para eles um gênero de filmes que eu gosto muito, e já apresentá-los a outro diretor que tem uma linguagem bem específica. Vimos, em sequência, Lock, Stock and Two Smoking Barrels, e Snatch, ambos do britânico Guy Ritchie.
Tiro? Tem. Drogas? Tem. Palavrão? Ô se tem. Mas sabe o que tem também? O tropo do “todo mundo se ferra no final”, que eu amo. Arthur e Theo gostaram bastante, e conversaram sobre a repetição do ator Vinnie Jones — quase o mesmo personagem em dois filmes diferentes.
A cisão
Theo gosta mais de filmes do que Arthur. Ainda não entendi o que preciso apresentar para que Arthur se envolva com a ideia. Com Theo a coisa rola muito mais fácil: ele pede pra ver filmes. Arthur já prefere ficar no videogame, e fazê-lo assistir conosco só é possível na base da ordem.
Nisso, Theo pediu para ver The Killer, que estava na Netflix, e logo assistimos. Ele achou muito bom e eu, acho que por ter mais bagagem, só achei médio. Foi interessante pois pude apresentar o primeiro Fincher dele — ainda tem pelo menos quatro filmes do diretor que quero apresentar para Theo.
Obriguei ambos a verem Fargo comigo, um dos meus favoritos, e foi um erro. O filme é muito lento para dois adolescentes, e não tem o mesmo appeal de coisas acontecendo. Na verdade, tudo quase acontece em Fargo, e isso frustrou os meninos.
Resolvi pegar pesado e mostrá-los um diretor que manja muito do “várias coisas acontecendo ao mesmo tempo”.
Já peço perdão e digo: por favor, não me cancelem.
Tarantino
Começamos com Pulp Fiction. Em nenhum dos filmes anteriores vi os meninos tão agitados, perguntando coisas, sentados na ponta do sofá. Tarantino pode ser um merda, mas sabe fazer filmes, hein?
Liguei com Bastardos Inglórios, e a reação foi a mesma. Amaram de paixão, contaram pro Lucas sobre o fime, citaram cenas em outros dias.
Fui pro meu favorito: Cães de Aluguel. Mais difícil, mais complexo, com mais “pausa aí por favor, não entendi se isso é antes ou depois”. Gostaram ainda assim.
Para concluir essa fase, terminamos com Django Unchained. Não preciso dizer que ouvi muito “Djangooooo” no tom da música por uns dias nessa casa. Theo reconheceu Christoph Waltz, “esse cara é bom demais, né? Tava no outro filme, lembro dele”.
Fun and games
Pausamos a sessão Tarantino para ver Scott Pilgrim Vs. O Mundo a pedido de Theo. Ele preferiu a série. Vimos Prenda-me Se For Capaz pois apareceu na lista da Netflix e a gente estava sem saco pra escolher outro. Eles duvidaram que é baseado em fatos reais — já engatilhei Meu Nome Não é Johnny mas não conseguimos ver ainda.
Vimos Dungeons & Dragons: Honra entre Ladrões pois eu queria começar a narrar uma aventura de D&D pra eles e queria que eles tivessem o mínimo de referência — deu tão certo que o personagem de Theo é um Druida da escola da Lua, shapeshifter, igual a mulher do filme.
Vimos juntos o novo Fuga das Galinhas e achamos médio — o primeiro é bem mais legal.
Só com Theo, assisti The Kitchen, do Daniel Kaluuya. Ele curtiu a vibe sci-fi mas não achou o filme isso tudo. Tenho minhas questões, mas já falei em uma edição anterior. Também só com ele vi The Holdovers — foi engraçado vê-lo feliz que a atriz Da’Vine Joy Randolph ganhou o Globo de Ouro. “Essa mulher é boa demais, mereceu mesmo”, disse ele.
Para concluir a sessão exclusiva, quis mostrar para Theo como filmes de terror ou suspense são bons sim se não forem só filmes de susto. Mostrei Corra — e já disse “esse ator aí é pica, é o diretor do The Kitchen”.
Comédia
Theo queria ver O Show de Truman, e aceitei, com a condição que veríamos um filme de comédia do Jim Carrey antes. Queria criar parâmetros. Vimos O Mentiroso e, putz, esse filme não é bom. A memória afetiva ganha de longe.
Seguimos para O Show de Truman e… bem, o filme continua sensacional e a execução dele é ótima, mas me perdoem, não era pra ser Jim Carrey nesse papel. Essa discussão é longuíssima e já foi tida em partes com meu amigo
.Arthur reclamou: Truman não foi engraçado. “Não era pra ser mesmo”, eu disse. É um filme de drama com um ator de comédia.
Ele pediu mais comédia e eu apelei: lancei logo Airplane!, em português Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu. Continuo achando esse filme sensacional pelo que ele propõe — porém as piadas funcionam muito melhor no inglês, e ainda mais se você sabe quem é Kareem Abdul-Jabbar. Theo achou o filme apenas ruim, já Arthur odiou. Gol contra.
Sci-fi
Resolvi play it safe e voltei pra ação — dessa vez, ligada ao meu gênero favorito, a ficção científica.
Total Recall foi um golpe de mestre. Todo mundo se divertiu com Schwarza, discutimos se era tudo um sonho ou não, e elogiamos os efeitos especiais do filme de 1990.
Segui com A Outra Face, com Nicholas Cage (que eles conhecem do meme) e John “pera, esse cara não tava em Pulp Fiction?” Travolta. Eu nunca tinha visto esse filme, então fui pego de surpresa. Ação do início ao fim — até exagerada, com perseguição de lancha e muito pulo atirando.
Com Theo, vi Robocop (quero ver os três da trilogia Sci-Fi de Verhoeven pra escrever sobre aqui). Ele adorou, e já reconheceu que o diretor gosta de um gore e sanguinolência.
Para acabar essa lista extensa, vimos Blade. Escolhi esse especificamente para Arthur, já que seu personagem no RPG é um ladrão todo darkzera que quer ter uma katana — coisa de otaku fedido, eu sei. Quis mostrar pra ele que é possível um personagem parecer mau, mas sem bom. Veremos se fez efeito.
Já sabem, né? Sugiram filmes para eu ver com meus irmãos. Mandem bala, estou aguardando ansiosamente.
Rapidinhas
Estou odiando a newsletter quinzenal
Mudei a periodicidade desse boletim para evitar semanas sem postar nada — assim eu poderia escrever a mesma quantidade, agendar para o futuro, e sempre ter conteúdo. O que tá acontecendo é que eu encho uma edição de coisas nos primeiros 3 dias e tenho que esperar outros 12 dias para colocar mais coisas aqui. Aí a news tá ficando cada vez maior e eu to com sérias dúvidas se a galera tá lendo até o fim. Ao mesmo tempo, fico receoso em voltar para a news semanal e não conseguir cumprir o cronograma. FODA MEN.
Starter Villain
Terminei de ler (mais um!) livro do John Scalzi. Já falei dele aqui anteriormente e continuo curtindo demais a escrita do homem. O livro conta a história de um rapaz cujo tio morre e ele herda um império digno de um filme do 007: trilhões de dólares, mansão na ilha com vulcão, golfinhos geneticamente modificados e gatos falantes.
Sim, gatos falantes.
O livro é divertidíssimo exatamente por apoiar em todos os clichês possíveis do gênero vilanesco — ele até faz piada consigo mesmo várias vezes.
Gostei demais, 4 estrelas (tem uns probleminhas). Review no Goodreads.
Vilões de verdade
Estou produzindo um artigo sobre nazismo e a relação deles com a ideia que temos do Vilão com V maiúsculo. Tá dando um trabalhão (e to bem desanimado, como já dito anteriormente) então quem sabe ele não vem na edição seguinte?
Falar sobre jogos
Alguém pode me explicar a razão de eu achar que não deveria falar sobre jogos aqui?
Eu falo tranquilamente sobre cinema, séries, e literatura. Mas, na hora de escrever sobre como terminei Cyberpunk 2077, fico receoso.
Daria pra fazer uma edição inteira dessa newsletter só sobre o jogo, mas não me parece que interessa às pessoas leitoras. Do outro lado, sei que deveria falar sobre o que EU quisesse, e foda-se. Mas não consigo, sempre tem essa trava.
Abri a votação na última edição e… das 210 visualizações, tive 7 votos. Desses, 5 pessoas querem que eu fale mais, mas duas fizeram questão de votar “não”.
Tava bastante a fim de falar como Cyberpunk 2077 era um jogo horrível e virou um jogão, como a construção de personagens fez com que ele crescesse em meu coração, e como as mecânicas de veículos são horrendas. Queria falar como comprei Nightingale, um novo survival aí, e desinstalei depois de 40 minutos. Queria falar sobre o que mais gosto em jogos de base-building. Mas não, novamente vou adiar esse papo pra até quando eu pensar que a galera quer ler isso aqui.
Viver o corpo
Tive uma conversa há muito tempo com o amigo André Lombardi em que eu reclamava sobre como eu tava estressado e toda nova tarefa que pegava para desestressar (oi, newsletter?) eu ficava pior.
Ele, psicólogo, me deu um conselho foda: “você tem que olhar para seu corpo. Pare de exercitar a mente e vá se mover, vá levar essa energia para outro lugar”.
Pois bem, comecei a fazer coisas. Não quero falar muito delas aqui pois não sei quanto futuro terei. Três delas são 100% corporais, outra é meio-a-meio.
Assim que achar que não é só uma fase, trago pra cá.
A regra é clara: se a lembrança é boa NÃO REVEJA.
Sugiro inserir Scorsese com The Departed, sucesso garantido.
(Continue a escrever, obrigada.)
Número nem é gente